sexta-feira, 22 de abril de 2016

A (ir)recorribilidade das decisões de fundamentação remissivas: influência da mitigação do dever de motivar do magistrado na força dos precedentes judiciais




Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil, também chamada de carta magna, representa a conversão da soberania popular outorgada pelo povo aos representantes políticos para que em assembléia constituinte elaborassem um documento escrito de enorme importância para o Estado.

Este documento confeccionado pelo poder originário possui supremacia em relação a qualquer outra legislação nacional, sendo responsável por constituí-lo, estabelecer deveres, assegurar direitos e irradiar princípios que deverão ser seguidos e respeitados por todos, inclusive pelo próprio legislador derivado que faz parte do ente estatal.

Tais princípios são responsáveis por estabelecer diretrizes a serem observadas, tendo em vista constituir direitos dos cidadãos, e obrigação de respeito pelo próprio poder público e particular, sendo este o motivo de ter sido apelidada gentilmente por muitos de Constituição cidadã.

Apesar de ser bastante proveitoso e enriquecedor uma análise pormenorizada de todos os artigos, parágrafos, incisos e (ou) alíneas da referida carta, tal estudo ultrapassaria o objetivo deste trabalho, assim como lhe descaracterizaria, já que se propõe a estudar uma prática cotidiana e reiterada de muitos juízes que se utilizam de fundamentação considerada remissivas em seu decidir, limitando-se a manter a decisão anterior pelos seus próprios fundamentos.

Essa conduta além de não cumprir com o dever constitucional de motivação, também revela o total desprezo pelas conquistas da sociedade previstas na CRFB/1988 e que a cada dia mais vem sendo mitigada, revelando um nítido desrespeito ao direito- dever estipulado na norma fundamental.

Sendo a obrigação de motivação uma dever constitucional processual disposto na CRFB/1988 em seu artigo 93, IX, não estaria o próprio poder judiciário, que tem o dever de proteger e dar a interpretação adequada da constituição violando dispositivo expresso que determinam que todas as decisões devem (ria) ser motivada (s)?

Assim, resta clara a importância deste estudo e também demonstra sua total sintonia com o novo código de processo civil que entrará em vigor no ano de 2016, servindo para reforçar o apelo pela supremacia material da constituição, dando continuidade ao movimento de reforço da unicidade do ordenamento jurídico e intercomunicação dos ramos do direito separados por conveniência didática e prática.

Neste prisma, insere-se este trabalho que tem por objetivo realizar o estudo da conduta desenvolvida por muitos magistrados de manutenção da anterior decisão por seus próprios fundamentos, realizando um estudo baseado em princípios constitucionais e (ou) processuais, de forma a construir idéias, soluções, ou quiçá tentar destacar a importância de seu estudo pela comunidade jurídica, alertando para a mitigação de direitos existentes nesta prática reiterada e o próprio cerceamento da ampla defesa assegurada na carta constitucional e no código de processo civil.

O tema é de fundamental importância, já que persiste no mundo jurídico tal conduta e a decisão de manutenção da anterior com base em seus próprios fundamentos, além de ofender o disposto no CPC/73 (em vigor), violam frontalmente princípios assegurados na constituição cidadã.

Levando-se em consideração que a norma disposta no artigo 93, IX da CRFB/1988 pertence ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo de fundamental importância para o processo, servindo como garantia da sociedade e como dever de observância obrigatória pelo Poder Judiciário, sua ausência constitui nulidade, já que para todo dever existe um direito correspondente que deverá ser assegurado.

Tal conquista não pode ser suprimida sob pena de retrocesso, entretanto, a observação prática tem revelado que este desrespeito está incorporado na legislação nacional, rotinas de muitas varas e também dos próprios Tribunais, em total antagonismo ao dever constitucional processual de motivação, ofendendo garantias e violando a própria ampla defesa.

Assim, este trabalho objetiva debater ou questionar o problema existente, promovendo um estudo de base doutrinária, pautada nos princípios constitucionais e fundamentais processuais que regem o sistema jurídico brasileiro, fortalecendo garantias e promovendo a segurança jurídica do sistema que garante que todas as decisões deverão ser fundamentadas sob pena de nulidade.

2. Constitucionalização do processo

O processo civil passou por profundas transformações desde o seu surgimento que, segundo alguns, tiveram origem no chamado período clássico Greco- romano época marcada pela oralidade. Após, passou o processo para o período denominado de origem romana, sofrendo forte influência do período anterior em seu momento inicial, tratando o juiz como mero árbitro que decidia com base em critérios nitidamente pessoais (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 08-09).

Segundo Sérgio Bermudes apud Humberto Theodoro Júnior (2014, p. 08-09), nesta fase o processo poderia ser dividido três grandes momentos, denominando de período primitivo, formulário e o último de fase de cognição extraordinária. No primeiro era dado às partes do processo liberdade para manipular a ação da lei; o segundo trazia pela primeira vez a figura do advogado, contraditório e concediam-se fórmulas de ações para compor as lides que seriam encaminhadas aos árbitros privados para julgamento.

O terceiro e último período teve como principal característica a passagem da prestação jurisdicional para o poder público, adoção do processo escrito e desaparecimento da figura dos árbitros privados, já que a atividade jurisdicional se tornou privativa do poder público (THEODORO JÚNIOR, 2014, p.10).

O professor Fredie Didier Júnior denomina estes momentos anteriores como sincretismo ou praxismo, já “que não havia a distinção entre o processo e o direito material” e muito menos preocupações de base científicas.  Já o processualismo, momento subseqüente, foi responsável por demarcar a ”fronteira entre o direito processual e o direito material, com desenvolvimento científico das categorias processuais” (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 31).

A fase moderna ou científica passou a ver o processo como “instrumento social de pacificação e realização da vontade da lei (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 11), reconhecendo a diferença entre o direito material e processual, estabelecendo “entre eles uma relação circular de interdependência”, onde o direito processual concretizava o direito material (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 31)

A visão de processo, reconhecido por muitos como meio ou instrumento que se utiliza o Estado no exercício do Estado democrático e de direito para concretização dos seus fins sociais, políticos ou jurídicos (BUENO, 2008, p. 55), com a sua evolução no tempo e a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil em 2015, além de manter as conquistas das fases anteriores, dará grande importância aos valores constitucionais, sendo chamada por alguns de formalismo-valorativo (OLIVEIRA apud DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 32) ou positivismo jurídico reconstruído (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 43, 1v), época da realização substancial da lei (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.57)

Como instrumento destinado ao atingimento das finalidades públicas, o processo civil e outros institutos do direito têm como tarefa a concretização de direitos fundamentais, não podendo se afastar deste objetivo que fundamenta e preenche, sendo, inclusive, objetivo do novo desenho da jurisdição traçado no CPC/2015 (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.51)

Atualmente ainda é possível afirmar, com toda propriedade, que o sistema jurídico não atingiu a tão sonhada unicidade. A separação didática efetuada nas academias para uma maior compreensão dos discentes era, na verdade, um distanciamento real e difundido que não permitia ter a necessária noção da realidade e perceber o afastamento existente entre as normas constitucionais e infraconstitucionais, ocasionando uma total cegueira jurídica!

Neste sentido, o novo código que entrará em vigor no ano de 2016, preocupado com o distanciamento das normas e seguindo uma tendência de constitucionalização, procurou incorporar normas fundamentais às de direito processual de forma não só a concretizá-las, mas também com o fim de alcançar a tão sonhada efetividade do processo e o sentimento de justiça, conforme os valores e normas fundamentais da CRFB/1988.

Diante disso, toda e qualquer interpretação jurídica deverá ser constitucional, direta ou indiretamente, pois poderá se fundar em uma norma constitucional ou infraconstitucional fundamental, verificando sua compatibilidade com a CRFB/1988 e buscando sua efetividade e aplicação aos fins da norma (BARROSO, 2015. p. 522).

3. Normas fundamentais do processo civil

A doutrina costuma distinguir normas de direito processual constitucional daquelas consideradas de direito constitucional processual, entendendo as primeiras como o “conjunto de normas de índole processual que se encontram na constituição com o fim de garantir a aplicação e a supremacia hierárquica da Carta magna” e a segunda “normas de índole constitucional cuja finalidade é garantir o processo, assegurando que este seja tanto quanto possível, um processo justo” (CÂMARA, 2008, p. 16 ).

Tal distinção cada vez mais é imperceptível, já que a constitucionalização do direito processual civil é uma das principais características do novo código que de forma expressa trouxe tal previsão em seu artigo 1º, NCPC/2015 ao incorporar “textos constitucionais de normas processuais, inclusive como direito fundamentais” e concretizar disposições constitucionais (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 46, 1v)

Inobstante isso, é importante ressaltar que são inúmeros os princípios constitucionais processuais explícitos e implícitos no ordenamento jurídico brasileiro, sendo o devido processo legal um destes princípios. Além de possuir conteúdo amplo, diante das inúmeras formas de processo, deverá seguir um processo que seja justo e adequado de forma a assegurar direitos e impor deveres de respeito (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 41; 53)

Tal afirmação decorre do fato do processo ser um dos meios indispensáveis a realização da justiça (art. 5º XXXV CRFB/1988), mas a concepção de justo e injusto não pode ser inferida pela “ótica subjetiva e intimista da moral, mesmo porque não é possível na ordem prática quantificar e delimitar, com precisão, os valores e preceitos puramente éticos em todo seu alcance in concreto”, devendo, por isso ser medida a noção de justo e injusto por padrões objetivos do direito (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 23).

O processo, para ser considerado justo, deverá ser exercitado da forma traçada pela constituição, assegurando a plena tutela da jurisdição no plano procedimental, legalidade, fraternidade e igualdade, e substancial, efetividade (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 29).

Para uma maior compreensão do intérprete, a doutrina começou a distinguir o devido processo legal em sua faceta formal ou procedimental, sendo aquela formada por um conjunto de garantias processuais mínimas estabelecidas pelo ordenamento jurídico. Já o devido processo legal substancial é a garantia de controle que o cidadão tem contra a atividade legislativa e as decisões consideradas indevidas, garantindo respeito à razoabilidade, racionalidade e ao próprio conceito de justiça existente sob pena de sua atividade sofrer controle (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 51-53).

Entretanto, tal concepção não é unânime, pois para alguns o devido processo legal é único e não possui subdivisões, devendo se organizar para cumprir sua função institucional e respeitar, com base na proporcionalidade e razoabilidade, os princípios, adequando-os à sua convivência e limitação para plena realização do direito a ser tutelado (THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 30).

Diferencia-se a proporcionalidade da razoabilidade, já que a primeira “exige o exame de três diferentes elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”. Já a razoabilidade “é um postulado que visa a estruturar a aplicação de outras normas visando à harmonização e à vinculação à realidade” (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.448).

Assim, uma decisão poderá ser legal por observar o Estado de direito (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 35) e não a lei, mas para atingir a justiça esperada deverá ser razoável, sob pena de não otimizar direitos, violar “princípio de garantia da liberdade” (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 53) e não garantir a atuação “fundamental de justiça” (GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2005, p.61).

O contraditório é constituído pelo direito de participação e de influência na decisão (GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2005, p.63).  Esse direito a participação é reflexo do princípio democrático e faz parte do dever de atuação colaborativo das partes, garantindo que sejam ouvidas e possam influenciar o decidir. Já a ampla defesa, que é muitas vezes confundida com o próprio princípio do contraditório, sendo para alguns, parte integrante da dimensão substancial do contraditório, é o ”conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório” (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.448)

Importante destacar que o princípio do contraditório e da ampla defesa não podem ser vistos como óbice à duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), principalmente diante da relevância deste princípio com o descrédito do judiciário com sua morosidade ativa (postura das partes ou da própria administração de não decisão) e sistêmica, burocrática (SANTOS, 2007, p.27).

A duração razoável do processo possui sentido amplo, não podendo ser entendido como direito a um processo célere, mas também não poderá ser aceito como uma duração indefinida. A aferição da razoabilidade dependerá de cada caso, já que às partes não poderão ficar refém de um processo de duração indefinida, de forma a transformar sua condição de sujeitos (partes) para objeto do processo, comprometendo a dignidade da pessoa humana e a própria prestação jurisdicional (MENDES; BRANCO, 2012).

Para a concretização do direito, o processo deverá respeitar o devido processo legal, a efetividade (BARROSO, 2015. p. 220-223) e a publicidade, como meio de proteção contra a imparcialidade dos juízos e controle da opinião pública sobre serviços da justiça e atividade jurisdicional, garantindo o controle das decisões judiciais e tornando eficaz o direito- dever de motivação do magistrado (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 61-62)

Deve o processo, então, ser adequado (atributo das regras e procedimento) e eficiência (atributo do procedimento), de forma a realizar o direito em um prazo considerado razoável, diante das circunstâncias do caso concreto, da forma que foi afirmada e reconhecida em juízo (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 73-74)

O princípio da proporcionalidade no direito brasileiro está atrelado à atividade decisória (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.135) do magistrado, momento em que este irá se utilizar dos poderes jurisdicionais que lhe foram conferidos para aferição da justa relação entre os fins e os meios escolhidos.  No exercício da sua atividade jurisdicional cabe ao magistrado desenvolver o seu raciocínio (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.135) na busca pela efetivação ou realização o direito, já que o nosso Estado não conseguiu, ainda, atingir o senso de realidade adequado e muito menos uma boa técnica na produção legislativa necessária, exigindo muito mais do intérprete na hora de justificar sua decisão de modo racional (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.135; 255-256)

Por mais simples que se possa parecer tal atribuição, diante de uma visão externa e simplista da questão, intrinsecamente não é essa a realidade que nos é revelada, pois deverá o julgador dar efetividade ao direito, protegendo os valores e interesses tutelados pela norma, conforme lições do professor Luis Roberto Barroso, significando a “atuação prática da norma” e prevalência dos “valores e interesses por ela tutelados” (BARROSO, 2015. p. 341)

Nessa árdua tarefa, tem o dever de encontrar os direitos pressupostos de uma determinada sociedade (ou em uma determinada sociedade), já que muitos dos princípios de outrora não lhe correspondem mais, ultrapassando as dificuldades existentes com a falta da boa técnica legislativa, vontade política e senso de realidade na elaboração da norma, para no exercício do seu múnus, concretizar o direito (GRAU, 2004, p. 45).

O professor Eros Roberto Grau defende o estudo do direito de forma dinâmica, pensado “dialeticamente, estudando-o em movimento, em constante modificação, formação e destruição – isto é, como de fato ocorre na realidade concreta”. Ao contrário do afirmado por muitos, entende que o direito posto não expressa os interesses da classe dominante, pelo contrário, seria para ele a “correlação das forças produtivas” no momento, pois descrevemos o direito de acordo com o nosso modo de ver e jamais irá corresponder à realidade (GRAU, 2004, p. 17; 44).

Assim, como o julgador não consegue atingir a neutralidade necessária em seu atuar (apesar de ser a vontade de alguns), já que “uma teoria da interpretação é uma interpretação da prática dominante”, também o legislador, ao elaborar a norma, não consegue se visualizar livre de influências externas dentro desta diversificada sociedade com interesses, muitas vezes, antagônicos (DWORKIN 1999, p. 60)

Ao interpretar já estamos de certa forma incluindo nossas convicções pessoais, modo de pensar e de enxergar a realidade que nos é apresentada. Não há neutralidade ou imparcialidade, somos seres humanos e cada um possui uma experiência de vida própria que de uma forma ou de outra vai acabar influindo na manifestação da realidade perceptível e na maioria das vezes não corresponderá à consciência que o outro tem sobre a mesma realidade (GRAU, 2004, p.18).

Sendo o direito um produto cultural de determinada época, cabe aos censores críticos apreenderem os sentidos axiológicos e teleológicos da realidade que lhe é apresentada para construção de uma “ordem de princípios gerais”, mantendo o sistema aberto para sua constante evolução e acompanhamento das mudanças da sociedade (GRAU, 2004, p.18; 20; 22).

Nas lições de Ronald Dworkin as transformações do direito é resultado da divergência de interpretações nas práticas e tradições existentes, de forma a exprimir um novo significado às normas para então “reestruturá-las à luz desse significado”. Entretanto, isso não quer significar que os dois componentes, significação e reestruturação, sejam dependentes um do outro, pelo contrário, são independentes, já que poderá ocorrer o primeiro e não o segundo (vice-versa) ou os dois (DWORKIN, 1999, p. 57-59)

Cabe ao intérprete agir com razoabilidade, sendo este um daqueles princípios que pertencem à teoria geral do direito que na acepção da palavra remota ao ser que tem atitudes conforme a racionalidade ou sua razão, ou seja, “é o bem fundado, pensado satisfatoriamente, de um modo consciente” (RODRIGUEZ, 2000, p. 392).

A noção de razoabilidade encerra a noção de direito, o que não é razoável não poderá ser considerado como direito, e como todo poder legalmente protegido e concedido tem por objetivo uma finalidade, possui o titular deste direito certa margem para avaliação e interpretação quanto ao exercício (RODRIGUEZ, 2000, p. 392), entretanto, não poderá em sua tarefa de construção ou reconstrução do direito usar seus padrões ou convicções pessoais para dizer o direito das partes envolvidas, cabendo ao intérprete respeitar a tradição e a praxe existente em sua “interação entre o propósito e o objeto” de forma a recuperar a “as verdadeiras intenções históricas de seus autores” para extrair com exatidão seu ideal valor e não o escolhido pelo intérprete (DWORKIN, 1999, p. 63-66).

É a razoabilidade um princípio dirigido a todos os atores da relação, possuindo estes o dever de conduzir à solução da questão ou conflito dele decorrente (RODRIGUEZ, 2000, p. 393), além disso, tem também como papel avaliar a prova e gravar o intérprete com os deveres de equidade, congruência e equivalência (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.139).

Constata-se que razoabilidade está ligada ao ideário de justiça e razão que partem da pessoa humana e buscam a concretização de um ideal (RODRIGUEZ, 2000, p. 393; 399). Sendo por este motivo importante o conhecimento e estudo da hermenêutica jurídica, pois tem por objeto “o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito”, tendo em vista que toda interpretação se funda na compreensão e apreensão de um sentido e alcance (MAXIMILIANO apud GARCIA, 1996, p.29; 38-39)

4. Das decisões judiciais

O processo, como ramo do direito público, é um ato jurídico complexo (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 30, 1v) constituído por um conjunto de atos concatenado, dentre estes os pronunciamentos do magistrado que tem a obrigação de garantir um processo justo, respeitando a garantia do contraditório que “visa à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva” (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.108).

Como é cediço, os atos processuais são manifestações humanas no processo, realizada pelas partes através de seus procuradores ou não (locais em que se permite o juspostulandi das partes), Ministério público, magistrados, auxiliares do juízo e terceiros interessados.

O juiz poderá praticar, no exercício das funções, duas das mais importantes espécies de pronunciamento, podendo estas ser uma decisão em sentido amplo ou um despacho. A diferença entre as duas é que a primeira possui conteúdo decisório, diferentemente da segunda que não possui conteúdo decisório e pode ser proferido por juízo singular ou tribunal (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 304, 2v)

Quanto ao gênero decisões, muitas são as espécies existentes e irá depender da autoridade que emana e do seu grau hierárquico. Os chamados juízes de “piso”, nomenclatura adotada na praxe forense para designar o juízo de grau inferior ou a vara em que o processo teve início, poderão proferir sentença, despacho ou decisão interlocutória.

Além dos pronunciamentos realizados pelos magistrados de “piso”, há os pronunciamentos dos magistrados pertencentes aos tribunais que no exercício de suas atividades poderão prolatar: acórdãos, decisões monocráticas interlocutórias ou finais e despachos. Isso é importante, devido ao fato de os tribunais serem formados por órgãos colegiados que reunidos (pleno, turma, seção ou outras) irão proferir uma decisão denominada acórdão que é um tipo de pronunciamento do órgão colegiado e que possui conteúdo decisório (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 307, 2v).

Em sua tarefa de decidir não caberá ao julgador se eximir, mesmo sendo hipótese de omissão da legislação, podendo se utilizar da analogia, costumes e princípios gerais do direito para suprir a lacuna (artigo 4ª da LINDB), sendo sua decisão constituída de imperatividade e substutividade, podendo, a depender do caso, constituir um direito (construir, reconstruir, modificar ou extinguir), simplesmente declará-lo ou condená-lo.

Há certa dúvida na doutrina e jurisprudência sobre as decisões proferidas com ausência de motivação, já que é dever do magistrado fundamentá-la, caso contrário será ela considerada nula ou inexistente. Com exceção das sentenças proferidas nos Sistemas dos Juizados Especiais, toda e qualquer pronunciamento de cunho decisório deverá ter como elementos essenciais: o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva.

O relatório é a sinopse ou histórico das principais ocorrências do processo, devendo integrar apenas a sentença e o acórdão, já a parte dispositiva corresponde ao comando da sentença que poderá ser condenação, declaração ou constituição. A fundamentação servirá como meio de controle das decisões e da própria atuação do magistrado pelos jurisdicionados, população ou sociedade e trará no seu bojo a razão de decidir do julgador (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 317-318, 2v)

A coisa julgada é instituto responsável por preservar a segurança jurídica, evitando, em regra, a modificação, invalidação, reforma da decisão, garantindo sua eficácia e imperatividade, não podendo ser atacada mais através de recursos, entretanto, decisões de prestações periódicas fazem coisa julgada formal, permitindo a mudança da condição de quem está condenado com o transcurso do tempo, assim como, há outros meios de impugnação com o objetivo de desconstituir a coisa julgada.

5. Dever de motivação das decisões

Importante ressaltar que apesar de o magistrado ainda ser considerado livre em seu modo de motivar, tal afirmação não pode ser entendida como uma liberalidade entre motivar ou não sua decisão, já que intrinsecamente sua atuação é vinculada (art. 93, IX, CRFB/1988)

Não obstante a afirmação anterior, não se pode também chegar à conclusão de que o juiz em sua tarefa judicante deverá fundamentar todas as decisões, enfrentar todas as teses e questões suscitadas pelas partes, porém, terá obrigação de decidir fundamentadamente com base na tese considerada principal, assim como nas provas constitutivas da sua afirmação e direito, sob pena de violação do princípio, também Constitucional, da ampla defesa.

Deve, em sua tarefa, o magistrado apreciar os fatos e teses novas para exercer seu múnus, sendo vedada a decisão fundamentada de forma remissiva, pois tal conduta só comprova o desapego com a toga, poder de jurisdição assumido e não cumprimento com o dever de motivar a nova decisão (art. 11, NCPC/2015), já que está se utilizando da fundamentação de uma decisão anterior que foi objeto de (ir) resignação pela (s) parte(s) e que será substituída por uma nova decisão. É notadamente um contrassenso, mesmo na hipótese de confirmação da decisão combatida!

Assim, muitas são as conseqüências e efeitos de tal decisão remissiva que busca apenas manter a decisão anterior pelos próprios fundamentos, seja por mitigar o dever constitucional processual de motivação das decisões ou também violar o dever constitucional processual de ampla defesa.

Quando é proferida uma decisão judicial o órgão julgador está construindo ou reconstruindo (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.651) uma norma jurídica que poderá, após o trânsito em julgado, se torna indiscutível para o caso concreto. A decisão irá se utilizar de uma norma legal (surge da extração do sentido da lei) para após a conformação retirar a norma jurídica individualizada, que será definida pelo Poder Judiciário através de sua atividade interpretativa, a ser aplicada ao caso concreto (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 322-323, 2v)

Para ser controlada, a atividade interpretativa deverá ser resultado de um processo lógico-argumentativo, justificado de forma racional (coerente e universalizável), para dar tutela não apenas ao caso concreto, mas também a toda ordem jurídica, já que constitui tarefa do intérprete criar ou reconstruir a norma jurídica de forma a reduzir a “indeterminação do discurso jurídico, podendo servir como concretizações reconstrutivas de mandamentos normativos” (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.412-414; 606)

Tal norma possui como característica peculiar o fato de poder tornar-se indiscutível pela coisa julgada material, o que lhe diferencia das leis que além de serem criadas por outro poder, permitem em alguns casos interpretações divergentes pelas partes, já que muitas vezes foram criadas em outros momentos não correspondendo ao momento atual e diante da dinamicidade das relações, caberá ao judiciário dar a interpretação considerada mais “adequada”, em conformidade com as disposições, praxe, tradição e princípios constitucionais (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 308-309, 2v).

Verifica-se que tal tarefa requer do magistrado uma atividade muito mais ativa, além de um maior senso de realidade, possibilitando suprir a vagueza existente para dar concretude aos preceitos normativos. Diante dessa necessidade de um atuar ativo, cabe ao magistrado dar uma interpretação conforme a constituição, exercendo o controle da (in) constitucionalidade e viabilizar a tutela de direitos fundamentais (art. 1º, NCPC/2015), pois é a partir desta atuação que será criada a norma jurídica oriunda da interpretação e controle exercido em sua atividade jurisdicional (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 310-311, 2v).

Assim, o magistrado em sua atividade judicante está não só dizendo o direito, mas reconstruindo normas e que poderão servir futuramente como precedente judicial para o deslinde de novos casos que guardem semelhança com aquele decidido, sendo, por este motivo, importantes os elementos de uma decisão que servirão de controle da atuação e identificação da semelhança entre o precedente e o caso concreto.

A fundamentação, que é elemento da decisão, compõe a razão de decidir, sendo norma jurídica da atividade criativa do magistrado criada no caso concreto e que poderá, a depender, ser aplicada a outros casos semelhantes (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 319, 2v).

Inobstante tudo isso, constitui o dever de motivação uma garantia constitucional do cidadão e do próprio Estado de direito, insculpida no artigo 93, IX da carta magna, artigo 1º do novo Código de Processo Civil e implicitamente nos princípios do contraditório e ampla defesa, não podendo ser suprimida sob pena de retrocesso. É um dever de justificativa das razões de decidir do julgador, pela via difusa, ao povo que irá exercer o controle através da democracia participativa como real detentor do poder, art. 1º, § único CRFB/1988 (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 321, 2v).

Deve assim o juiz, em suas decisões, refletir os anseios do povo, ou refletir a opinião pública, estando compreendida não só em sua ótica privada (controle das partes) e (ou) burocrática (controle do juízo superior), mas também na ótica democrático do controle, do povo (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 321-322, 2v).

É cediço que a fundamentação não se sujeita a coisa julgada, porém tal fato não é capaz de reduzir a sua importância, já que será responsável por determinar o alcance da decisão, se a norma jurídica concreta vai ser passível de torna-se indiscutível pela coisa julgada material e será, também, responsável pela vinculação dos precedentes a serem aplicados (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 328-329, 2v)

Assim percebe-se que a fundamentação possui conteúdo de substancial importância para o direito (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 330,2v), já que é tarefa do julgador, quando da análise da situação concreta, extrair das alegações e da congruência com o que foi requerida, sua convicção (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.417, 2v), para só assim identificar a norma abstrata, conformando-a com a constituição para só após individualizá-la na aplicação ao caso concreto (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 333-334, 2v)

É a norma geral criada que poderá servir para aplicação a outros casos semelhantes, sendo neste caso vinculante e, com efeito, erga omnes para outras situações, não ficando restritas as partes ou ao próprio processo, além de vincular a justiça da decisão de forma a impedir sua rediscussão em outro processo (preclusão), sendo essa hipótese chamada pela doutrina de eficácia da intervenção (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 329, 2v) ou transcendência dos fundamentos da decisão ou dos motivos determinantes.

6. Teoria da nulidade judicial

A nulidade é um vício insanável, pois macula norma de ordem pública, não sendo passível de convalidação, diferentemente do anulável que viola norma de interesse privado e para ser desconstituído é preciso que haja manifestação das partes, não podendo ser declarado de ofício, e caso não seja argüido na primeira oportunidade que couber falar nos autos será convalidado

Para que se possa falar em teoria das nulidades é preciso, antes de qualquer coisa, estudar os fatos jurídicos para que possamos entender o ato jurídico e assim tecer com maior segurança qualquer tipo de juízo de valor sobre a teoria das nulidades.

Os fatos considerados jurídicos (stricto sensu) são quaisquer acontecimentos históricos que gerem efeitos jurídicos sem atuação humana, diferente dos atos jurídicos são quaisquer acontecimentos históricos que gerem efeitos na órbita jurídica, com atuação humana, externando vontade, pois não existe ato jurídico sem vontade.  Já os atos-fatos jurídicos ocorrem quando há atuação humana sem vontade para aquele ato específico

O ato inválido poderá ser nulo ou anulável. O ato nulo ocorre quando há violação de normas de ordem pública, cabendo ao magistrado atuar de ofício; diferente do anulável que precisa pedir para anular, sob pena de quebra da imparcialidade, pois viola norma de interesse privado e para o magistrado atuar deverá haver requerimento das partes na primeira oportunidade que couber falar nos autos, já que a inércia tem como condão o convalescimento do o ato.

O que é nulo é inexistente, não podendo ser confirmado ou ratificado pelas partes e muito menos caberá ao magistrado suprir tais vícios; já o que é anulável além de haver requerimento na primeira oportunidade para confirmação, deverá ser esta manifestação expressa (em regra), porém admite-se sua forma tácita em algumas hipóteses da lei.

Tanto o ato nulo, como o anulável, produzem efeitos ex tunc, sendo a diferença existente entre eles decorrente do fato de que no ato nulo o juiz irá proferir uma sentença declaratória e no anulável uma sentença constitutiva. Apesar de ser sentença constitutiva, possui retroatividade, já que invalidar um ato é voltar ao estado anterior, voltando a ser o que era antes, já que a lei diz expressamente que deve retornar.

A nulidade para ser decretada deverá causar prejuízos às partes, sendo esta a baliza ou cláusula geral de aplicação da teoria das nulidades (relativa ou absoluta), mais um misto de desobediência às formas. Como matéria de ordem pública, as nulidades, não se sujeita à preclusão, resistindo até mesmo à coisa julgada, entretanto, apesar de prevalecer sempre, sua desconstituição terá prazo de dois anos, depois do trânsito em julgado, para manejo da ação rescisória.

7. Da força judicial dos precedentes

A força judicial dos precedentes começou a ganhar força alguns anos atrás e com a proximidade da entrada em vigor do novo código de processo civil prevista para o ano de 2016, em cujo bojo constará com o devido destaque.

Apesar de muito se falar sobre este tema, verifica-se, a luz dos entendimentos doutrinários, que não se trata de algo totalmente novo no ordenamento, porém, a feição, destaque e importância buscada em sua aplicação exigirão muito mais do intérprete acostumado com a subsunção da lei ao caso concreto e integração da norma nas hipóteses de lacuna.

Tal mudança de entendimento exige qualificação e predisposição, já que haverá uma conexão muito maior do juiz com os ditames constitucionais para aferição da conformação e também, requererá uma maior cognição e senso de realidade para extração da norma jurídica que será aplicada ao caso concreto.

O precedente judicial é conceituado como “decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 441, 2v) ou “meio de solução de determinado caso concreto, mas também, como um meio para promoção da unidade do direito” (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.606, 1v).  Apesar de ser “novo” o estudo da força dos precedentes no direito brasileiro, sua origem e significado são muito bem conhecidos pelos, antes, chamados operadores do direito.

O direito brasileiro está em plena transformação, exigindo mais do profissional do direito que terá a função de interpretar constantemente o direito para construir (ou reconstruir) a norma jurídica a ser aplicada ao caso concreto. Nesta tarefa de identificação da norma geral que será conformada com a constituição (“interpretação conforme, controle de constitucionalidade em sentido estrito e de balanceamento dos direitos fundamentais”), para criar ou reconstruir o direito a ser aplicado ao caso concreto (individualização da norma) o profissional deverá buscar constantemente sua qualificação e atualização com a linha de decisão dos tribunais, em plena “harmonia”, já que uma das preocupações é evitar a álea existente em que o processo era distribuído para determinada órgão fracionado do tribunal e não havia segurança quanto ao tipo de decisão passível de se esperar, pois a cada semana, ou quiçá, dia, o entendimento daquele órgão era dos mais variado (DIDIER JÚNIOR; 2015 p. 158-159, 1v).

Constata-se da análise do precedente que ele é composto de duas partes: circunstância de fato que embasam a controvérsia e tese ou princípio jurídico que será assentado na motivação do provimento decisório (TUCCI apud DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 441, 2v), cabendo ao intérprete conformar a lei à luz da constituição ou construir uma nova norma com base nos postulados de normatividades dos princípios (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.58-59, 1v)

Extrai-se das partes do precedente a importância do relatório que irá traçar as circunstâncias de fato que embasam o precedente, de forma a demonstrar a semelhança entre os futuros casos e o paradigma. Também a fundamentação, que constitui a parte mais importante do precedente, responsável pela força persuasiva do precedente, já que será neste momento que ficará assentado o raciocínio lógico que deverá ser perseguido pelos julgadores para aplicação (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 442-443, 2v)

A razão de decidir é a essência (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 442-442, 2v), já que estará nela à hermenêutica utilizada, a base de sustentação jurídica da decisão capaz de reduzir a indeterminação do discurso jurídico e reconstrução dos mandamentos normativos (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.606, 1v), composta dos fatos relevantes da causa, raciocínio lógico jurídico da decisão e juízo decisório (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 427-428, 2v).

O precedente é originário da capacidade de interpretação do direito, constituindo uma atividade criativa, ou seja, o magistrado irá se utilizar de sua capacidade de interpretação das normas jurídicas em abstrato e no caso concreto para criar ou reconstruir uma norma jurídica que será aplicada ao caso concreto (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 428, 2v)

Verifica-se que o poder de legislar ganhou papel de destaque, diferentemente do que ocorria em outrora, onde o magistrado tinha, em regra, como tarefa a subsunção da norma ao caso concreto. A chamada razão de decidir do julgador, que constitui a tese perfilhada, possui força normativa e deverá ser exposta na decisão, por ser a base para se chegar ao juízo decisório do caso concreto (DIDIER JÚNIOR; 2013, p. 428, 2v).

A norma geral será extraída da atividade judicante a partir do caso concreto (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 443, 2v), podendo servir para aplicação a outros casos. É considerada uma atividade construção ou reconstrução da norma geral que servirão de diretrizes para o processo de identificação e aplicação do precedente a outros casos, após a interpretação do material constante da decisão (DIDIER JÚNIOR; 2013, p. 443, 2v)

Pelo fato de advir de um juízo indutivo (do particular para o geral), assim como os princípios gerais, farão com que sejam aplicáveis a situações que se assemelhem, servindo como precedente. Diferentemente é a hipótese da norma jurídica individual, responsável pela conclusão na parte dispositiva ou juízo decisório, tendo em vista ter o condão de ficar acobertada pela coisa julgada material e sua ausência constitui motivo de nulidade da decisão, diferentemente da ausência de fundamentação que é causa de inexistência (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.614, 2v).

Os argumentos jurídicos principais, além de fazer parte da razão de decidir e possuir força persuasiva (ou vinculante) tem importante papel na decisão, pois irão servir como base para recurso contra decisão não unânime do tribunal, poderá também esboçar a futura orientação daquele órgão a respeito de determinada matéria, pois o que hoje é razão de decidir poderá, amanhã, ser argumento de passagem e vice e versa (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2013, p.430-432, 2v)

Não se pode confundir a razão de decidir com argumentos de passagem, pois é a razão de decidir do julgador que cria a norma jurídica “à luz do caso concreto, a partir da conformação da hipótese legal de incidência às normas constitucionais. Só se pode considerar como ratio decidendi a opção hermenêutica que, a despeito de ser feita para um caso concreto, tenha aptidão para ser universalizada” (ARENHART; MARINONI; MITIDIERO, 2014, p. 96-97, 2v), provendo e sopesando a repercussão que poderá causar no ordenamento (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 433, 2v), constituindo uma generalização das razões suficientes e necessárias para decidir um caso ou questões (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.613, 2v)

A razão de decidir é a análise “fático-jurídica das questões que devem ser decididas pelo juíz”, constituindo a chamada stare decisis horizontal (unidade do direito e de fazê-lo seguro) e devem ser necessárias e suficientes à solução da questão para formação da razão de decidir do precedente (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.613, 2v ).

Os precedentes poderão ter feição criativa ou declarativa, diferindo quanto à capacidade de construir (ou reconstruir) e aplicar ou reconhecer e aplicar a norma jurídica, respectivamente, ao caso concreto, de forma a decidir entre as várias alternativas, qual será a mais adequada (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 440-441, 2V). Trabalha o precedente com fatos jurídicos considerados relevantes que compõe o caso, extraído da justificação da decisão, determinando-os, possuindo razões generalizáveis que poderão ser operacionalizadas dentro da moldura de cada caso, podendo ter força obrigatória ou ser meramente persuasivo (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.611, 2v).

Com relação aos efeitos, os precedentes poderão ter efeitos dotados de obrigatoriedade vinculante quando “tiver eficácia em relação aos julgados que, em situações análogas, lhe forem supervenientes”. Tais efeitos poderão ser obrigatórios quando convertidos em súmulas vinculantes (eficácia vinculante em relação a todos) pelo STF; entendimento for consolidado na súmula de cada tribunal (tem força vinculante interna); precedente do pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade (força vinculante externa e interna) mesmo sem ser convertida em súmula vinculante; precedente que fixa tese para RESP e RE repetitivos (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 442- 443, 2v)

Por ultimo há o persuasivo que não dispõe de força vinculante, como os anteriores, mas constitui indícios de solução racional e socialmente adequada (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 444- 445, 2v) ao caso concreto, servindo como exemplo (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.611, 2v)

Quando o precedente for dotado de efeito obstativo da revisão de decisões, poderá o tribunal, por expressa autorização legislativa, negar seguimento a recursos ou sucedâneo recursais, quando a decisão estiver em consonância com súmula ou jurisprudência (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 444, 2v)

Conforme visto, nem todo precedente terá eficácia vinculante, mas isso não quer dizer que o precedente de eficácia persuasiva seja menos importante, pelo contrário, deverá, também, ser considerado no caso concreto para que o magistrado exerça sua atividade de criar ou declarar o direito para aplicá-lo ao caso concreto. A diferença entre o precedente que possui capacidade de vincular o que não possui diz respeito à obrigatoriedade de conhecimento, pois, necessariamente o precedente com força obrigatória deverá ser conhecida e justificada sua não aplicação ao caso concreto, diferente do persuasivo que não tem esse poder vinculante (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 456, 2V)

Os efeitos do precedente poderão ser modulados em nome da segurança jurídica, entretanto, não poderão retroagir para alcançar os fatos pretéritos, surpreendendo os cidadãos (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 464-465, 2V), existindo, assim, um princípio da não surpresas que garante a segurança jurídica (MARINONI; ARENHART; MITIDIER, 2015, p.382, 2v)

Diante desta mudança de comportamento, não é mais possível admitir no sistema jurídico brasileiro as chamadas decisões de fundamentação remissiva ou a ausência de algum dos elementos essenciais da decisão, pois tal atitude além de não cumprir com a garantia constitucional de controle das decisões ofende a ampla defesa, o principio do contraditório e até mesmo a segurança jurídica.

A atenção ofertada à força dos precedentes, atualmente, não poderá ser mitigada por atitudes descompromissadas e prejudiciais à própria democracia, já que a motivação é pressuposto da própria jurisdicionalidade. É fundamental o reconhecimento das implicações ocasionadas pela ausência de norma jurídica individual e (ou) abstrata na decisão, por ser objeto de controle das partes, Tribunais e também do povo que é o detentor do poder.

A norma jurídica individual é aquela extraída do caso concreto, após a identificação da norma jurídica abstrata e sua conformação com a constituição, podendo a sua falta gerar a inexistência da decisão. Diferente é a conseqüência para a ausência de norma jurídica abstrata a ser estabelecida na fundamentação, já que sua falta constitui hipótese de nulidade, por entender que houve deliberação “acerca da questão principal discutida, mas é viciada, por não conter a exposição dos fundamentos com base em que essa solução foi construída” (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 429, 2V).

O dever de motivar, além de constituir mostra da imparcialidade do julgador (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, p. 25, 2v), é conteúdo substancial e não formal da decisão, fazendo prova do caminho traçado para se chegar a determinada conclusão. Assim, a ausência de fundamentação da decisão constitui motivo apto a ser declarada a nulidade da decisão judicial, caso o motivo seja a falta de norma jurídica abstrata, tendo em vista que a ausência da norma jurídica concreta irá ensejar a inexistência da decisão.

Apesar de já ser considerada relevante às implicações pela falta de fundamentação que ocasionará a nulidade ou inexistência da decisão, a sua ausência, também, produzirá efeitos prejudiciais na força dos precedentes que como já afirmado em outrora, poderá ser vinculativa ou persuasiva e constitui o novo “carro” chefe do novo código de processo civil de 2015 e que entrará em vigor em 2016.

8. Conclusão

O ordenamento jurídico passa por significativas transformações que irão exigir muito mais atenção e participação dos atores jurídicos. Tais mudanças de postura irão proporcionar inúmeras alterações benéficas, mas também poderão trazer malefícios diante de uma interpretação equivocada dos seus objetivos.

O Estado brasileiro passou por momentos de tensões com o fim de superar modelos que não proporcionavam equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Na época do Império, vivenciamos um executivo dotado de super poderes e com o advento do Estado liberal, essa superposição foi transferida ao legislativo com a submissão a lei.

O novo modelo que se insere, diante de uma equivocada e (ou) errônea compreensão, com o passar do tempo, poderá significar um excesso de poder, desta vez, ao Judiciário que terá (poderá ter) uma maior “liberdade” de construção ou reconstrução do direito.

Conforme destacado, não é este o fim perseguido com a mudança, sendo a tarefa do julgador a construção ou reconstrução da norma, pois o objetivo é a efetivação do direito com base na carta constitucional e não a atividade de criação legislativa. O novo código de processo civil permitirá, também, uma mudança de postura dos julgadores em sua tarefa decisória, já que não poderá mais se valer de decisões de fundamentação remissiva para manter seus julgados.

Desde o código de 1973 tal conduta já era alvo de censura, já que seria incoerente a manutenção de uma decisão que foi combatida. Sabe-se que os recursos, como meio de impugnação, além de demonstrar o inconformismo com a decisão combatida, têm por objetivo a reforma ou invalidação, possuindo como efeito a substitutividade, sendo totalmente incoerentes as chamadas decisões remissivas que só demonstram o claro desapego à função jurisdicional e a própria toga, já que não há razão para manutenção de uma decisão pelos próprios fundamentos, sem a justificação do motivo de ser ela considerada “correta”.

Este tipo de decisão em nada cumpre o postulado constitucional que obriga o magistrado motivar suas decisões, além de ofender claramente os princípios do contraditório e ampla defesa, já que toda decisão de cunho decisório deverá ser fundamentada para que seja possível extrair as razões de decidir do julgador, constituindo objeto de controle das partes, tribunais e do próprio povo que concedeu parte de seus poderes ao Estado para exercício da jurisdição.

Não há mais espaço para a praxe de manutenção da decisão pelos próprios fundamentos, já que a fundamentação constitui a razão de decidir, sendo este a essência da força dos precedentes.  Tamanha foi à importância que o legislador fez questão de ressaltar em algumas passagens do código, como nos incisos do parágrafo 1º do artigo 489 e no artigo 11 do novo código de processo civil de 2015.

Assim, em que pese à praxe forense e a lei do sistema dos juizados especiais admitirem a dispensa do relatório e a confirmação da sentença pelos próprios fundamentos (arts. 38 e 46 da lei 9.099/95), para que se possa tornar possível a aplicação da força dos precedentes e controle, é indispensável os elementos essenciais da decisão (relatório, fundamentação e dispositivo), sendo a decisão sem fundamentação considerada nula e a decisão sem o relatório limitador da extensão da força dos precedentes aos casos semelhantes.

Um dos grandes benefícios do novo CPC/2015 foi promover a materialização da lei, constitucionalizando suas disposições para dar efetividade ao direito, trazendo dispositivos impeditivos das decisões remissivas, principalmente por ser um dos “carros” chefes à força dos precedentes judiciais que enaltece a importância do relatório, fundamentos e da parte dispositivo da decisão.

Entretanto, o senso de realidade dos Poderes não correspondem aos anseios da maioria da população, em que pese reproduza os anseios de uma minoria (detentora de poder), lhe falta ainda o senso de realidade social para apreender os sentidos axiológicos e teleológicos e se manter afastado das suas convicções pessoais em sua tarefa de construção (ou reconstrução) da chamada ordem de princípios gerais capazes de manter o sistema aberto para que o processo acompanhe o tempo, evitando o retrocesso e garantindo suas conquistas a cada transformação.
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